domingo, 24 de janeiro de 2016

Dicas 01 - Chinês é difícil?


(xué)()(huá)()(kùn)(nán)(ma)

Dicas 01 – Chinês é difícil?

Bem, ontem eu não tinha nada pra fazer, decidi dar uma volta de manhã na Liberdade. Estava um dia bonito e pensei em tomar café da manhã num restaurante taiwanês, andar por lá e depois almoçar num restaurante chinês.  Ligo pra um colega meu do doutorado que estava de bobeira também (coisa rara pra alunos do doutorado, que meu orientador não leia isso aqui.... hehehe) e ele anima de ir comigo.

Quando chegamos no restaurante taiwanês, além da comida estar uma delícia eu troco umas palavrinhas com a dona do restaurante (o lugar é microscópico, ela mesma serve, mas é um ambiente super acolhedor). Depois no almoço também converso um pouco com a atendente do restaurante chinês.

Aí que bate uma ideia: ensinar chinês pra esse colega. E ele me pergunta: “Chinês é difícil?”.


1) Fácil, fácil não é...

Muitos sites, na intenção de desmistificar a língua acabam em exagerar numa pretensa facilidade da língua. Usam frases como:


Chinês é muito simples, não precisa conjugar nada, é tudo neandertal mesmo. Olha como se diz ‘eu te amo’:

            wǒ ài nǐ
我愛你
Eu te amo

E pra falar ‘você me ama’ é só inverter, não precisa mudar a forma dos pronomes!

            nǐ ài wǒ
你愛我
Você me ama

E é muito moleza a gramática mais fácil do mundo!


(Ok ok, isso aí em cima é verdade... mas quem dera fosse assim toda hora!)

Bom, eu falo inglês e francês fluentemente bem, além de me virar legal em espanhol e falar um pouco de outras línguas. Eu pessoalmente acho chinês a gramática mais fácil das que eu já estudei, com exceção de alguns pontos.

Quando eu digo fácil, eu quero dizer simples. Mas fácil não quer dizer que é facilmente compreensível para brasileiros e que a gente absorva e comece a produzir frases rapidão. Isso porque por mais que seja simples, é bem diferente do português.

Vamos comparar, espanhol tem uma gramática bem complexa, mas é bem fácil para nós brasileiros pela proximidade da língua. Se você parar pra pensar a maior dificuldade de um brasileiro de atingir fluência em espanhol é justamente o fato de ser tão parecido que toda hora ‘fugimos’ e voltamos pro conforto do português.

O chinês é o contrário, a estrutura algumas vezes parece, mas boa parte das vezes funciona numa lógica bem diferente.

Então, fácil do tipo ‘moleza, é nóis’, não é.


2) Também não é impossível

Outros sites acabam por se apoiar nas dificuldades de um ocidental aprender chinês pra dizer que é quase impossível.

Também não é por aí. Eu nunca fui de estudar chinês de forma muito séria (comecei na graduação, mas aí comecei pós e tive que parar, voltei mas aí comecei um mestrado e parei, aí voltei, mas comecei um doutorado, vocês entendem a lógica kkk) e ainda assim consigo ler um pouco de mangá, entendo um pouco de músicas, etc. Ou seja, dá. Se eu pegasse sério, uma ou duas horas todo dia, 5 dias por semana, com certeza eu chegaria num bom nível de fluência em um ou dois anos. Em cinco, poderia falar muito bem.

O que faz com que os brasileiros tenham muita dificuldade é a mentalidade de aprendizado aqui. A lógica é que a maioria das pessoas pensa que indo pra uma escola de idiomas, estudando 2 horas por semana e mal fazendo a lição vão aprender alguma coisa. Na boa, não funciona com inglês, até parece que vai funcionar com chinês...

Sério, dica de quem foi professor de inglês e francês por anos, além de ter sido consultor pedagógico de uma famosa rede de escolas de idiomas, responsável pela consultoria de 150 unidades: só se aprende por imersão. Mas não me entenda mal, não estou dizendo que é preciso ir pra China e morar 10 anos lá pra falar bem (apesar de que se você fizer isso, te dou um prêmio se não aprender...). Mas é preciso pegar pesado. Inclusive no cursinho de inglês, se você não se dedicar 1, 2 ou mais horas por dia, não adianta de nada, é jogar dinheiro fora.


3) Então quais são as facilidades?

Bom, há várias. Realmente, não ter conjugação de verbos (nem em pessoa, nem caso, nem tempo, nem nada) ajuda muito. Os substantivos também não têm gênero, nem plural. Também não tem artigo (nem definido nem definido). Na primeira fase de aprendizado isso é maravilho.

Compare com alemão, que tem conjugação de verbos (e muito verbo irregular), em que substantivos têm três gêneros (masculino, feminino, neutro), tem 5 formas de fazer plurais (e muita formas irregulares), os artigos/demonstrativos/etc. se declinam (mudam de forma conforme a função na frase), etc.


2) E quais as dificuldades (realisticamente)?

Bom, há várias.

A primeira é a pronúncia. Não é extremamente difícil como dizem, mas é muito diferente do português, o que faz com que seja preciso treinar bem e começar treinando, pra não sedimentar falando errado e depois dar um trabalho enorme pra consertar. Chinês também tem tons, ou seja, se o som sobe, desce, se mantém fixo no alto ou baixo, altera o significado. Não acho que seja nada muito difícil do que os sistema de sílabas tônicas nosso, por exemplo, mas é preciso de muita prática. Repetir, repetir, repetir até a hora que qualquer coisa diferente fica estranho pro ouvido.

Ainda ligado à pronúncia, é bom aprender pīnyīn ou zhùyīn, que são os dois principais sitsemas de transcrição (escrita de sons) chinesa para quem está aprendendo – já que a escrita chinesa não escreve sons per si.

Pīnyīn tem a vantagem de usar letras ocidentais. E tem a desvantagem de que essas mesmas letras representam outros sons que não os do português (por sinal, nem de língua nenhuma) – e aí que a galera chega lendo como se fosse português e ou fala muita asneira ou fala uma coisa que ninguém entende.

Pausa pra historinha: Eu tinha uns 15 anos, e vi uma palavra muito comum chinesa no jornal: “fēng shuǐ’”. Acho que todo mundo sabe o que significa (se não souber, clique aqui). Chego eu numa loja de uns chineses bacanas lá do meu quarteirão e falo como qualquer brasileiro falaria: “fêngue chúi”. Obviamente a tia não entendeu nada, eu desenhei os hànzì pra ela, que finalmente me corrigiu. Aí caiu a ficha: o som designado pra cada letra não tem nada a ver com português, nem inglês, nem nenhuma língua. É um sistema feito só pro chinês – é reaprender o alfabeto, dando novos sons pras letras... Aí que ‘fēng shuǐ’ se lê aproximadamente “fã chuêi”. Entenderam? Não é porque se escreve com o mesmo alfabeto que é só chegar lendo.

Aqui no blog a gente usa pīnyīn, pode aprender sem medo, mas treina muito, ok?

Zhùyīn representa perfeitamente a fonética chinesa – mas é todo um alfabeto novo que é preciso aprender, e hoje só se usa em Taiwan. Não é ruim também aprender, pelo menos a ler um pouco de zhùyīn, eu leio mais ou menos.

Eu sugiro ir pro pīnyīn, mas treinar muitoooo a pronúncia. Sério, muito mesmo. Tipo, gastar horas preciosas da sua vida. E se tiver um amigo chinês que te corrija melhor ainda. Tem alguns livros (com áudio) e softwares que ajudam, mas vou deixar pra escrever sobre eles depois.

Em segundo lugar, na minha opinião - de quem não é fluente (e nem está perto disso) - a principal limitação é a escrita. Não acho que seja impossível aprender um número grande de caracteres (eu estimo saber uns 1500 hànzì pra cima), mas é que é fácil esquecer pela falta de uso. Mais um motivo pra imersão. Você aprende fácil – se você sentar e aprender uns 10 hànzì, vai levar uma hora no máximo. Mas quantos você vai lembrar em um ano? Sem prática e sem vê-los toda hora, eles somem muito rápido da sua cabeça.

Ainda no aprendizado da escrita, outra dificuldade, que talvez venha da tendência de copiar métodos de aprendizado de outras línguas, é a mania de ‘sincronicidade fala-escrita’ (aprender a falar e escrever no mesmo processo).

Em línguas ocidentais, em que a gente já conhece o alfabeto (e as vezes só precisa aprender uma letra ou acento diferente), dá pra aprender a fala (pronúncia + significado + uso) e a escrita. (Apesar de que na boa, é melhor focar na fala e depois ir aprendendo a escrever sem pressão).

Em chinês para nativos dá fazer assim, porque já sabem o significado, basta adicionar a escrita. Para não nativos, aprender pronúncia (que é bem diferente), mais significado, mais uso, mais a escrita é maluquice. Você pode até conseguir, mas o ritmo vai ser o do mais lerdo, que é da escrita. Assim que você vai diminuir severamente seu ritmo de desenvolvimento global na língua pela restrição de velocidade de aprendizado da escrita.

Obviamente existem métodos que levam essa ‘assincronicidade’ (aprendizado de fala e escrita em ritmos diferentes) em conta. Eu mesmo gosto de dois livros (que vou fazer resenhas nessa mesma seção depois) cujo objetivo é minimizar essa dificuldade: Rapid Literacy in Chinese e Remembering the Hanzi (nenhum dos dois tem tradução pro português L). Não vou me alongar nesse ponto mas depois escrevo mais.

Terceira – o chinês é uma língua isolante e analítica. Esse aspecto é uma faca de dois gumes (pode ser muito bom, ou muito ruim pra quem está aprendendo). Uma língua isolante quer dizer que há pequenas unidades de significado que juntas fazem palavras. Ou seja, é brincar de lego – vai juntando as sílabas (que têm um significado básico) e fazendo novas palavras. Só tem um problema, com isso você tem uma dose de liberdade pra juntar novos bloquinhos e fazer palavras levemente diferentes. E aí que a tarefa de aprender vocabulário complica porque ao invés de uma forma padrão, tem várias pra aprender.

Quer ver um exemplo? O título desse post já mostra esse ponto: logo você aprende que "difícil" em chinês é nán (). Mas também pode ser kùnnán (困難). Mas também pode ser jiānkǔ (艱苦) ou jiānnán (艱難). Ou mais algumas versões... E cada um tem um significado levemente diferente e preciso.

(PS: obviamente tem casos que só há uma palavra pra um significado, mas ter pensamento divergente e lateral ajuda em aprender chinês... é preciso deixar de lado a ‘mentalidade’ ocidental na língua.)
(PS2: O lado positivo é que isso permite uma precisão de significado bem legal, quando você chega num nível mais adiantado).

Quarta – outra faca de dois gumes: chinês não tem tempo verbal. Isso é ótimo na verdade, mas como nossa “visão de mundo” linguística é baseada em tempo a gente tem uma certa dificuldade de se acostumar com o sistema chinês que, por outro lado, marca aspectos. Não vou entrar em detalhes aqui, mas não é pra ter pânico. Sim, a língua chinesa descreve tempo, mas não da forma com que estamos acostumados. Por outro lado os tais dos aspectos, por não existirem em português, podem demorar um pouco pra gente se acostumar.

Mais hora ou menos hora você vai encontrar o le (), guò () e seus amiguinhos que vão fazer uma bagunça na sua cabeça. Mas depois passa e eles se tornam seus amigos! Aí você vai ficar se perguntando porque cargas d’água não existe marcação de aspecto em português, porque esse treco é bem útil.

Quinta e última – aí não tem nada a ver com a língua. Brasileiro tem uma mania besta, besta mesmo, de não querer passar vergonha falando errado. Meu, você só aprende mesmo quebrando as pernas. Não tem como. Eu mesmo falei uma merda hoje, algo que todo mundo que já estudou chinês sabe (não vou nem contar porque dá vergonha :D). Mas é assim, a gente ri, pede desculpa e bola pra frente. Quem fica com vergonha nunca vai aprender.

Bom, o objetivo não é assustar quem quer aprender, mas dar uma visão realística do que é aprender chinês. Nem é moleza, nem é absurdamente difícil. É aquela coisa né? Se for pra aprender é se dedicar, se jogar de cabeça e pegar firme que quando você menos imaginar, tá lá falando.

Faça um desafio pra você mesmo de estudar todo dia meia hora pelo menos, e veja daqui a um ano como fez efeito.


Bons estudos!

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